Romildo Gurgel
Acho que não é
fácil entender o conceito de missão sem que haja um atrelamento entre a missão
de Deus e a missão da Igreja. Não há quem perceba que o assunto de missão
acontece entre duas direções se é que podemos fazer alguma distinção. Numa direção, missão está muito
presa às ações da Igreja, quanto a sua existência missiológica. Aqui, serve aos seus ministérios bem
ordenados, desenvolvem programas, criam projetos na intenção não só de manter,
mas principalmente de expandir-se como Igreja. Um dos conceitos que mais
contribui para a expansão nessa argumentação é expandir através do plantio de
Igrejas (plantatio ecclesiae),
supostamente quando assim acontece em áreas onde não exista igreja no local.
Noutra
direção, missão caracteriza também aquelas atividades e projetos que tem em
vista um publico bem mais amplo, além dos vínculos da instituição, cujo foco
situa-se nas estruturas sociais desfavorecidas que apresentem sinais de injustiça
e discriminação.
Em 1974, na
cidade de Lausanne – Suíça, realizou-se o Congresso Internacional de
Evangelização Mundial que contou com a participação e o tom dos teólogos
latino-americanos, e, dentre eles, René Padilla. O documento final desse
congresso foi denominado Pacto de Lausanne. Nele, fica claro que o Evangelho
deve alcançar o ser humano, em sua totalidade:
A mensagem da salvação implica também em uma
mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, opressão e discriminação, e
não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que prevaleçam.
Quando alguém recebe a Cristo, nasce de novo no seu reino e, conseqüentemente,
deve buscar não somente manifestar como também divulgar a sua justiça em meio a
um mundo ímpio. A salvação que afirmamos usufruir deve produzir em nós uma
transformação total, em termos de nossas responsabilidades pessoais e sociais.
Perceba
que dentro deste aspecto de reino o sentido de missão adquire um caráter mais
testemunhal da fé do que de proclamação ou anúncio unicamente.
Assim, cabe aqui citar um
texto escrito por Tiago, o irmão de Jesus:
“De que adianta, meus irmãos, alguém dizer
que tem fé, se não tem obras? Acaso a fé pode salvá-lo? Se um irmão ou irmã
estiver necessitando de roupas e do alimento de cada dia e um de vocês lhe
disser: Vá em paz, aqueça-se e alimente-se até satisfazer-se sem porém lhe dar
nada, de que adianta isso? Assim também a fé, por si só, se não for acompanhada
de obras, está morta”. (Tiago. 2.14-17 NVI)
Lembramos ainda aquilo que foi dito pelo Senhor Jesus
registrado em Mateus 25:35ss “tive fome
(...) tive sede (...) era estrangeiro (...) estava nu, (...) adoeci, (...)
estive na prisão, (...)”. As palavras de Tiago 2:14-17 corroboram com estas
ditas por Jesus, mesmo assim, devemos ter o cuidado para não super valorizar as
obras a ponto de tê-la como meio de salvação, lembrando sempre as palavras do apóstolo Paulo bastante
conhecida em Efésios 2:8-9 “Pela graça
sois salvos mediante a fé, isto não vem
de vós; é dom de Deus. Não vem das obras para que ninguém se glorie”.
Sendo assim,
parece razoável que a população marginalizada necessita de cristãos que estejam
comprometidos com o que é, de fato, a pregação do Evangelho, dentro de uma
perspectiva bem mais ampla. Ela necessita de “pessoas que creem que o propósito
de Deus é unir todas as coisas sob a autoridade de Cristo e que definem o
significado de sua própria existência à luz desse propósito” (PADILLA, 2009, p.
53). Ou seja, ela necessita de cristãos que vivam uma vida pessoal e
comunitária voltadas para o reino e a justiça de Deus. A missão da igreja não é
separar-se do mundo, mas ser enviada ao mundo. “Portanto, ide por todo o mundo e pregai o evangelho” (Marcos 16:15),
e “Ser-me-eis testemunhas, tanto em
Jerusalém como em toda Judéia e Samaria, e até os confins da terra” (Atos 1:8).
MISSIO DEI
No ano de 1932, Karl Barth foi o
primeiro teólogo a declamar sobre missão como atividade articulada por Deus em
uma conferência missiolóica em Brandemburgo na Alemanha. Se existe uma missão,
essa missão é a de Deus (missio Dei). No entanto o pensamento de Barth atingiu
auge em 1952 na Conferência de Willingen onde foi revivenciado o termo “missio
Dei”. Foi de lá que a ideia de missio Dei emergiu pela primeira vez de uma
forma mais esclarecida. Compreendeu-se a missão como derivada da própria
natureza de Deus. Ela foi colocada no contexto da doutrina da Trindade, e não
da eclesiologia ou da soteriologia.
George
Vicedom nesta mesma conferência
destacou-se pela famosa obra Missio Dei: Introduction to the Science of Mission. Cuja
ênfase foi:
a)
“Deus é o sujeito ativo da missão”.
b)
Deus o Pai enviou o Seu Filho (João 1:1-5 e 1:14)
c)
E ambos enviaram o Espírito Santo (João 14:16)
d)
A trindade envia a Igreja e os crentes em particular,
para cumprir a tarefa da Grande comissão (Atos 1:8 e 2:4). Ou seja, Pai, Filho
e o Espírito Santo enviando a igreja para dentro do mundo.
Foi nesta conferência que houve o reconhecimento que a igreja não poderia ser nem o ponto de partida e o alvo da missão. A obra salvífica de Deus precede tanto a igreja quanto a missão. Não se deveria subordinar a missão à igreja e, tampouco, a igreja à missão; pelo contrário, ambas deveria ser inseridas na missio Dei que se tornou então o conceito abrangente. A missão de Deus institui a missão da Igreja. A Igreja deixa de ser a remetente para ser a remetida. A missão não é a atividade primordial da Igreja, mas um atributo de Deus. Deus é um Deus missionário. Compreende-se a missão, desse modo, como um movimento de Deus em direção ao mundo; a igreja é vista como um instrumento para essa missão. Deus teve um único Filho e fez dele um missionário.
Como igreja, nossa missão não tem vida própria: só Deus
que envia pode denominar verdadeiramente a missão. Nossas atividades
missionárias só são autênticas na medida em que refletirem a participação na
missão de Deus. A missio Dei é a atividade de Deus, a qual abarca tanto a
igreja quanto o mundo e na qual a igreja tem o privilégio de poder participar. “ Não é a igreja que tem uma missão na terra,
é o Deus da Missão que tem uma igreja na terra.” A Igreja não anuncia ela mesma, o kerigma consiste em
saber que: “Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões,
e nos confiou a palavra da reconciliação” (2Coríntios 5:19). Quem
reconcilia é Deus e não a igreja.
A estreita relação do ser da igreja é ser
enviada por Deus e é nisso que consiste o cerne da forma de se fazer a missão. O texto
de (João 17:18), deve ser visto como inquebrável, já que não há outra igreja,
mas a Igreja enviada ao mundo e nenhuma outra agência missionária, mas a Igreja
de Cristo. Aqui merece um sério questionamento aos modelos vigentes de Igreja
na atualidade.
Em O Que
É Missão Integral?, René Padilla mostra que a igreja que se compromete com a
missão integral entende que seu propósito não é chegar a ser grande, rica ou
politicamente influente, mas sim encarnar os valores do reino de Deus e
manifestar o amor e a justiça, tanto em âmbito pessoal como em âmbito
comunitário.
As igrejas precisam
rever as suas ações e cumprir a missão que lhe foi confiada para que não esteja alheia ao clamor do povo.
Assim como os profetas denunciavam as autoridades quanto à exploração dos
pobres, a igreja precisa denunciar a injustiça social, ter voz profética somada
com ações que transformam não somente o estado deprimente espiritual, mas
também o contexto que elas vivem. Se a igreja falhar na sua voz profética, quem
irá clamar serão as pedras contra a missão da igreja. A igreja é a
corporificação da missão de Deus na comunidade onde ela está inserida. O maior
pecado da Igreja é fechar-se por causa da sua saúde e ignorar a comunidade em volta
dela, que sofre toda espécie de alienação. A igreja não pode isolar-se frente ao
clamor e a indagação de um povo que sofre e vive a margem da sociedade.
Entendo que se
a igreja incorporar a missão que lhe foi atribuída, as metáforas bíblicas
ficarão bem mais fácil de serem entendidas, como p. ex., “o sal da terra”, “a
luz do mundo”, “uma cidade sobre um monte” e outras semelhantes.
Que o Senhor
nos ajude
Questionário:
1 - Em que consiste a missio Dei?
2 - Quais os principais aspectos
da missio Dei?
3 - Como se deve compreender a missão da Igreja?
4 – Como é a prática da missão da
sua Igreja?
BIBLIOGRAFIA
1 - PADILLA, C. René. O que é Missão Integral? Viçosa:
Ultimato, 2009.
2 - CABRIAL, Silvano Silas R. Missio Dei. Londrina – PR: Descoberta, 1ª Edição: Janeiro/2005.
3 – BOSCH, David J. Missão
Transformadora, Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão. Editora
Sinodal, 1998.
4 - http://estudos.gospelmais.com.br/missio-dei.html
- Acessado em 01/10/2013.
5 - http://www.postost.net/2011/01/missio-dei-historical-perspectives-part-1
- Acessado em 01/10/2013.
6 - http://conversation.lausanne.org/en/conversations/detail/10505#.UkpPXIY04wI
– Acessado em 01/10/2013.
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