A falta de pão na mesa do pobre é um problema decorrente da
falta de
espiritualidade no altar dos cristãos. O Pai Nosso é a oração pelo
pão
de cada dia do outro e não do nosso.
Pr. Carlos Queiroz
A oração do Pai Nosso é, ao mesmo
tempo, a oração do “pão nosso de cada dia”. O pedido por esse pão não é um
apelo para o suprimento material. Jesus Cristo já havia ensinado aos seus
discípulos a não se preocuparem com o alimento. Também já se conhecia a ideia
de que Deus dá o pão aos seus amados enquanto eles dormem, de acordo com o
Salmo 126. Conforme Jesus Cristo, a natureza se encarrega de suprir a carência
das aves dos céus e dos lírios do campo; se Deus assim supre os pequenos
animais e os vegetais, há, então, suprimento suficiente para todas as pessoas
do planeta. Como sabemos, o problema da falta de alimento para muitos não se
deve à superpopulação ou à falta de solos aráveis. A monocultura, a exploração
do semelhante e a concentração de renda, entre outros fatores, geram a fome e a
miséria que têm vilipendiado tanta gente. Portanto, na oração do Pai Nosso, o
pedido não é pelo pão – e sim, pela prática da socialização do pão.
O alimento é um direito de todos
os seres humanos. Quando uma minoria detém a maior parte dos bens, outras
pessoas irão padecer necessidade. O problema da desnutrição, para muitos, está
na má utilização dos recursos naturais, quando se visa apenas ao lucro e ao
acúmulo de capital, o que também leva à degradação do meio ambiente. Logo, o
Pai Nosso não é uma prece para ser meramente repetida em nossas liturgias; ela
é a oração sobre a ética da propriedade e dos bens.
Para Jesus Cristo, vale mais uma
vida eticamente correta do que a oração corretamente pronunciada. Há muitos
cristãos orando o Pai Nosso sem, contudo, expressar o reconhecimento – muito
menos, o arrependimento – de que estão pondo muitas pessoas sob o castigo da
fome e da morte. E é por causa de nosso egoísmo, revelado quando comemos muito
e deixamos outros com fome, que há muitos doentes e mortos em nosso meio. Não
discernir essa realidade significa comer e beber juízo para si, conforme I
Coríntios 11.23-27. Para muitos de nós, o Pai Nosso pode ser compartilhado e
dividido; mas o pão, esse não – é exclusivamente “meu”. Ele é o ídolo que só na
reza ou na burocracia religiosa pertence ao outro. O máximo que fazemos é uma
doação filantrópica de nossas sobras. E, se damos a sobra, apenas denunciamos o
nosso contexto de injustiça. É hipocrisia doar a sobra como se fosse um ato de
misericórdia. A misericórdia se evidencia pela doação daquilo que nos faz
falta.
Todo ídolo exige sacrifício. O
ídolo de mercado, representado pela acumulação de propriedades e rendas, vive
guardado no altar sagrado dos cofres bancários, venerado pelos seus adoradores,
os mesmos que sacrificam os mais fracos e vulneráveis da sociedade. No Brasil,
o pão é de uma minoria. Mais de 32 milhões de pessoas passam fome, e 65 milhões
de brasileiros alimentam-se de forma precária. O pão é um bem que pode ser acumulado
ou socializado; por isso, a oração do Pai Nosso tem implicações econômicas,
sociais e políticas. Orar ao Pai do céu pelo pão de cada dia é uma premissa
contra a acumulação de bens. O mundo seria diferente se todos os cristãos
fizessem do Pai Nosso uma prática de justiça, solidariedade e socialização do
pão.
O Pai Nosso é a oração pelo pão
de cada dia do outro. É a oração que muda a concepção fundiária e subverte a
noção de renda ou posse dos bens. Portanto, é muito mais do que um jeito de
orar – é, de fato, uma maneira de se viver. O bem-aventurado pobre de espírito,
citado em Mateus 5.3, vive motivado pela sensibilidade e pela compaixão, e tem
prazer em socializar com outras pessoas tanto o Pão da Vida quanto o pão da
terra. Além do mais, o bem-aventurado pobre de espírito é também feliz porque
sente fome e sede de justiça. E essa sua fome, essa sua sede, são aguçadas
diante da fome sofrida pelos injustiçados.
Não podemos mais admitir que
nosso país – o maior em número de católicos e o segundo maior em número de
protestantes – seja um dos países mais injustos do planeta. A falta de pão na
mesa do pobre é um problema decorrente da falta de espiritualidade no altar dos
cristãos. A carência de alimento passa a ser um sinal de nossa falta de
espiritualidade à medida que o outro não o tem. Que o Pai do céu nos ajude a
socializar o pão da terra.
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